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Cultura

Peterson vs Zizek: o duelo de titãs virou conversa de “amigos”

15 de janeiro de 2021
Peterson vs Zizek: o duelo de titãs virou conversa de “amigos”
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O debate entre o filósofo esloveno Slavoj Zizek e o psicólogo canadense Jordan Peterson foi vendido como “duelo de titãs” e como “debate do século”. Mas quem assistiu o debate não viu exatamente isso e esse fato pode ser objeto tanto de decepção quanto de satisfação. Decepção para quem esperava ver um arranca-rabo, ainda que com requinte, como os que eram protagonizados por Bill Buckley (sendo clássico o debate com Gore Vidal, que virou filme) e como Peterson normalmente faz com jornalistas; satisfação para quem esperava mesmo uma discussão mais light e moderada onde os contendores buscavam momentos de intersecção entre seus pontos de vista.

Tentemos fazer alguma justiça: Zizek é muito louco, mas parece ser mais louco do que realmente é. Apesar do jeitão esquisito e da constante postura de recém-abstêmio de cocaína, na pior das hipóteses é um bom leitor dos principais pensadores dos séculos XIX e XX (Hegel, Nietzsche, Marx, Freud). Ele próprio já declarou que “não é como esses esquerdistas loucos” e alguma verdade pode ser creditada a essa frase, visto que ele já declarou outras vezes — e reafirmou no próprio debate — que não vê o comunismo como alternativa de esquerda para o mundo atual e para a ascensão do que ele chama de “direita populista”. É um crítico da esquerda por ela, basicamente, não ter projeto. Como lembrou na abertura de seu primeiro discurso do debate, a turma do justiçamento social não é lá uma grande fã dele, visto que já teceu críticas à histeria de gênero e à “ideologia LGBTQ+” e ao sentimentalismo islamofílico. Tudo isso já era verdade bem antes do debate. Também tece críticas ao politicamente correto, à ideologia (em sentido próprio) e às hordas pós-modernas, como destacou em entrevista:

“Eu e Peterson encontramos algo em comum, como a maneira como vemos a felicidade ou como criticamos o politicamente correto, ainda assim o fazemos de posições muito diferentes”.

“É fácil dizer que a esquerda liberal foi muito conformista, aceitou o capitalismo global, etc. Mas por acaso a esquerda mais radical tem um modelo sobre o que fazer hoje? Onde a esquerda populista, por exemplo, deu certo? Na Venezuela não foi! Na Espanha, o Podemos organizou protestos, mas nada além disso. A própria esquerda é o problema. Não aceito esse discurso de pânico “oh, o fascismo está aí, temos que nos unir contra o inimigo”. O que interessa é: de onde esse inimigo que chamam de “fascista” emergiu? Obviamente algo deu muito errado no projeto da esquerda predominantemente liberal”.

“Por que a Hillary perdeu? De onde veio o fiasco dessa esquerda-liberal anti-racista, feminista, com mais consciência social? Como ela veio a perder o contato com as pessoas comuns? Isso é que a esquerda tem que se perguntar. Inclusive no Brasil”.

“Existe uma tendência geral na esquerda de chamar essa agressiva direita populista de fascista. E acho que é uma maneira fácil de evitar de pensar. Você associa com “fascismo” e acha que já sabe do que se trata. Não se aprende nada chamando Trump e Matteo Salvini de fascistas. A desprazerosa verdade é que a esquerda está fugindo de seus problemas”.

Aos ouvidos da esquerda bolchevique brasileira, essas poderiam ser declarações consideradas como “reacionárias”.

Peterson abriu o debate de uma forma que eu mesmo não faria. Escolheu pinçar as principais premissas e afirmações do Manifesto Comunista de Marx e Engels e expô-las em sua carência de evidência, senso histórico etc. Não faria isso pois o Manifesto é um panfleto revolucionário, ainda que expresse o sentimento marxista em sua crueza. Fosse eu Zizek teria, para fins retóricos, fustigado Peterson com esse fato (o que o esloveno fez de forma bastante sutil ao citar elementos dos livros Crítica do programa de Gotha e 18 Brumário em sua réplica). Se já é, no mínimo, obscuro se Zizek crê naquilo, certamente não se poria a defender as premissas do Manifesto naquela noite. Em público nem mesmo Fidel Castro é comunista. A exposição não foi ruim, mas muito aquém das minhas expectativas.

Zizek ainda se aproximou de uma declaração, ao analisar a atual China, que eu poderia perfeitamente ver sendo dita pelo professor Olavo: o comunismo entrou em simbiose com o capitalismo que funciona (na China, mantem-se o politburo e, principalmente, a centralização e autoritarismo estatal) para sobreviver — ou, como Zizek gostaria de apontar, o “capitalismo” pode se apresentar na forma que sempre lhe pareceu mais contraditória: liberdade de mercado com autoritarismo político. Dizer isso para a esquerda brasileira (ou para os Villas) que ainda crê que comunismo se e apenas se vier com ditadura do proletariado e expropriação dos meios de produção? Zizek deve ser um herege.

Após as réplicas, tréplicas e interações que não considerei tão interessantes (pois eram basicamente os dois encontrando nuances entre seus pensamentos) quanto poderiam ser, algo que foi um ponto alto para mim ocorreu na sessão de perguntas e respostas, quanto Zizek perguntou ao Peterson “onde estão os neomarxistas pós-modernos de que você tanto fala?”. Nesse momento a plateia fez barulho.

Há muita confusão sobre essa expressão usada por Peterson porque, em sua casca, e provavelmente com pós-modernos e marxistas negando igualmente a relação, não apenas não há parceria entre pós-modernos e marxistas, como, supostamente, haveria contradição (o marxismo seria uma narrativa tão “verdadeira” quanto o liberalismo para os pós-modernos). Existem pontos importantes a serem considerados a esse respeito:

1. Nem tudo que reluz é ouro. Nem tudo que parece marxismo precisa ser integralmente fidedigno às teorias marxistas originais (o próprio Marx, ainda em vida, falou sobre os “marxismos” que surgiam) e, desnecessário dizer, o mesmo vale para o pós-modernismo, pois este não crê em verdade, racionalidade e sistematicidade. Contudo, basta observar pensadores pós-modernos para se ver categorias, tiques mentais e modos de raciocínio que são herdeiros do marxismo, além deles próprios, muitas vezes, se servirem de críticas marxistas ao capitalismo. Além dos principais autores pós-modernos terem ou formação marxista ou serem discípulos de marxistas (ainda que eles próprios não sejam “oficialmente” marxistas).

2. Forma e conteúdo. O pós-modernismo, patriarca intelectual da histeria de gênero, do racialismo, do feminismo, do gayzismo, das teorias sobre apropriação cultural, interseccionalidade, lugares seguros e gatilhos de alerta, pois abriu caminho para o relativismo e o irracionalismo que imperam nas academias de artes e humanidades, pode não ser marxista no conteúdo, mas é na forma. Peterson aludiu a isso em sua resposta a Zizek. A turma do justiçamento social é pós-moderna porque adere a essas pautas e marxista porque crê que toda a dinâmica social pode ser explicada e descrita pelo conflito entre as identidades desses grupos, tal como para o marxismo é o conflito de classes. Por incrível que pareça, talvez tenha faltado ao Peterson conhecimento da nobre política brasileira; o que é a esquerda psoleira senão socialistas econômicos e lacradores? O que é Manuela D’Ávila senão uma feminista, membro do Partido Comunista e lacradora sobre todas as pautas citadas?

Marxistas e pós-modernos talvez não admitam tudo isso, num primeiro momento, porque são incapazes de enxergar. Depois, porque mesmo que enxerguem, não pega bem para as relações públicas admitir que os adversários têm razão e descobriram o moto de seu pensamento.

Fato é que não foi um debate para quem esperava “sangue”, mas tampouco para momentos do tipo “I got you”, como ocorreu na entrevista de Peterson para a jornalista lacradora Cathy Newman, já citado. Sobrou pouco para a “felicidade” que aparecia na formulação do tópico de discussão. Também foi um debate que deveria acender o sinal amarelo para a esquerda, um dos poucos e últimos verdadeiros intérpretes e leitores de Marx não tem muita água para jogar no seu moinho lacrador, hipster, descolado e anticapitalista. Não creio que isso vá acontecer, mais fácil essa turma reagir negativamente ao esloveno, como mostra o trecho abaixo:

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“Você pode ter sua ideia própria e pessoal do inferno. A minha é a eternidade preso em uma sala com Jordan Peterson e Slavoj Zizek. Não gosto desses homens. Considero Peterson um charlatão tóxico e Zizek uma vergonha e embaraço para a esquerda. Creio que ambos demonstram quanto longe é possível ir na vida pública sem ter nada de valor a dizer, caso você seja um homem branco com doutorado e que fala de maneira confiante e incompreensível. Na verdade, não foi um verdadeiro debate, pois os dois são praticamente idênticos até onde posso dizer. Eu honestamente creio que as pessoas olharão para esse momento como um ponto baixo e escuro da humanidade”.

Ao final do debate, que acabou sendo absolutamente diplomático, fiquei com uma forte impressão pessoal, baseada na minha modesta experiência com debates vis-a-vis: não sei se pelas mesmas razões que as minhas, mas me parece que ambos se deixaram levar pela empatia e pela camaradagem retórica que normalmente me afetam quando debato com alguém que tenho alguma proximidade. Com um desconhecido, alguém que não tenho contato pessoal, simpatias etc., é mais provável que eu ataque com força total; contra alguém que conheço, nutro alguma simpatia e conhecimento de traços pessoais, prefiro operar pelo método da camaradagem e deixando as tensões naturais de um debate em stand by, preferindo uma abordagem amistosa. Saí desse debate com um dedinho a mais de simpatia pelo Zizek, que não tinha antes dele.

Esse texto foi a base para o Podcast OliverTalk a respeito do debate, pode ser ouvido, com comentários adicionais, aqui:

O debate, para quem ainda não viu ou quer rever:

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